
Ao longo do desenvolvimento, os pais saboreiam cada etapa e anseiam os próximos ganhos dos filhos. Ficam orgulhos quando estes os presenteiam com as suas conquistas e aprendizagens, quando conseguem sentar, gatinhar, andar, falar…
Muitas vezes os pais sentem-se impacientes e com dúvidas face ao desenvolvimento normal das crianças, tendendo a comparar o seu filho com as crianças que os rodeiam. Surgem, então, perguntas como “O meu filho tem dois anos, será que já devia falar?”, “Por que é que já disse algumas palavras e agora já não diz?”, “Por que razão as outras pessoas não entendem o que ele diz se eu percebo tudo?”, “Será que os sons que troca são normais para a idade?”.
Assim como o andar, para que a criança comece a falar é necessário a presença de outros pré-requisitos. Antes do surgimento das primeiras palavras é essencial que a criança já tenha desenvolvido competências comunicativas e linguísticas.
Comunicação, Linguagem e Fala são conceitos distintos que não devem ser confundidos.
Comunicação
Desde os primeiros dias de vida as crianças são capazes de comunicar as suas necessidades e afetos através do choro, do olhar e do sorriso intencional, bem como da partilha de brinquedos com os cuidadores, potenciando o desenvolvimento das relações interpessoais.
Linguagem
Através destas partilhas, a criança começa a perceber o mundo que a rodeia. Inicialmente compreende conceitos e associa-os a objetos ou situações, progredindo para a compreensão de frases. Numa fase inicial, a criança ainda não é capaz de produzir palavras mas, à medida que as suas competências linguísticas se tornam mais ricas e as suas competências oromotoras mais maduras, a criança está apta para produzir as primeiras palavras.
Fala
A fala representa a forma de comunicação mais elaborada que a criança pode utilizar para expressar as suas aprendizagens e conhecimentos. Exige a ausência de alterações anatómicas e funcionais ao nível das estruturas envolvidas na produção de fala (ex: língua, palato, músculos faciais…), bem como competências linguísticas que lhe permitam falar sobre os seus interesses e as situações em que participa.
Para perceber se o seu filho segue um desenvolvimento “saudável” é importante atender a alguns marcos do desenvolvimento da comunicação, linguagem e fala.
0 - 1 Ano
- estabelece contacto ocular com os interlocutores durante as interações comunicativas
- responde ao nome
- chora, ri, balbucia em resposta ao interlocutor
- reconhece nomes de familiares e alguns objetos da sua rotina
- produz sílabas em sequência (ex: [pa pa pa])
- gosta de jogos de esconde-esconde
- associa objetos à função (ex: pega na escova para pentear)
- surgimento das primeiras palavras
1 - 2 Anos
- compreende perguntas (ex: Onde está o papá?)
- reconhece partes do corpo
- participa em jogos de faz-de-conta
- diminui o uso de gestos e usa cada vez mais a fala para comunicar
- expressa cerca de 30 palavras diferentes
- junta dois elementos na tentativa de formar frases (ex: popó papá)
- até aos dois anos é esperado que já seja capaz de produzir todas as vogais e sons correspondentes às letras: <p,t,c,b,d,g,m,n e nh>
2 - 3 Anos
- compreende e usa vocabulário mais diversificado
- conversa usando frases simples com 3 a 4 palavras
- expressa-se de forma cada vez mais clara
- demonstra interesse em como e porquê as coisas funcionam
- escuta e reconta pequenas histórias
3 - 4 Anos
- brinca com outras crianças de forma mais apropriada
- compreende noções temporais
- reconta histórias cada vez mais longas
- utiliza conjunções (ex: por isso, porque)
4 - 6 Anos
- vocabulário mais elaborado, preciso e abstrato
- compreende e utiliza conceitos de tempo (ex: hoje, amanhã, tarde, noite) e conceitos de quantidade (ex: mais/menos)
- gosta de brincar com sons e palavras (ex: dividir palavras em sílabas, lengalengas e rimas)
- define conceitos pela função e pela categoria (ex: a banana serve para comer e é uma fruta)
- até aos 5 anos é esperado que seja capaz de produzir os sons correspondentes às letras: <f,v,s,z,ch,j>
- os sons correspondentes às letras R, r e lh podem surgir depois dos 5 anos e os grupos e encontros consonânticos (ex: prato e corda) podem surgir até por volta dos 6 anos
Há alguns sinais/comportamentos que podem auxiliá-lo a identificar se deve estar alerta para o desenvolvimento do seu filho, identificando a necessidade de pedir ajuda:
0 - 1 Ano
- Não reage à estimulação sonora
- Não reage ao outro
- Não mantém contacto ocular
1 - 2 Anos
- Não brinca
- Não compreende ordens simples (ex.: “Dá a bola”)
- Não combina duas palavras para formar frases (ex.: “Papá carro”)
2 - 3 Anos
- Não forma frases
- Discurso pouco compreensível
4 - 5 Anos
- Leque de vocabulário pouco diversificado
- Diz palavras pouco inteligíveis
- Tem um discurso incoerente
- Tem dificuldade em recontar histórias ou em narrar acontecimentos da sua rotina
Muitos pais acreditam que a entrada para o 1º Ciclo pode ser uma solução para algumas das lacunas apresentadas pelos filhos. No entanto, esta não deve ser encarada como a opção aceitável. Se as dificuldades que uma criança apresenta durante a idade pré-escolar não forem resolvidas precocemente, poderão repercutir-se em dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita, comprometendo o sucesso escolar e, consequentemente, o seu desenvolvimento psicossocial.
Outras crianças apresentam, durante a idade pré-escolar, um desenvolvimento aparentemente adequado à sua faixa etária, no entanto, à entrada para a escola observam-se dificuldades no processo de aprendizagem da leitura e escrita, que podem estar associados a défices linguísticos, não identificados anteriormente através da fala.
De algumas dificuldades que possam surgir destacam-se:
- troca de letras
- omissão de letras e sílabas
- união de palavras
- dificuldade na escrita de frases
- dificuldade em extrair significado do que lê
No caso de identificar um ou mais destes sinais, ou se tiver dúvidas quanto ao desenvolvimento do seu filho, pode recorrer a profissionais especializados no desenvolvimento da criança que o esclareçam.
Os Terapeutas da Fala são os profissionais responsáveis pela avaliação e intervenção nas perturbações da comunicação, linguagem, fala, motricidade orofacial e alimentação, podendo ajudá-lo a compreender o que faz parte de um desenvolvimento adequado daquele que necessita de auxílio especializado.
Lembre-se que para consultar um Terapeuta da Fala não é necessário que a criança apresente um diagnóstico clínico. Muitas delas podem evidenciar pequenas lacunas que, com recurso a estratégias e alterações dos comportamentos dos cuidadores, podem ser solucionadas quando detetadas precocemente.
Por Inês Carneiro e Marta Sousa, Terapeutas da Fala